quinta-feira, 31 de agosto de 2017

DAS SURPRESAS ADVINDAS DA OUTORGA DE PROCURAÇÃO PÚBLICA

 A procuração, instrumento público, onde uma pessoa outorga a outra pessoa poderes, é um documento de grande complexidade, podendo resultar em consequências surpreendentes àquela pessoa que outorgou poderes à pessoa de estimada confiança.
 As pessoas interessadas, outorgante e outorgada, se dirigem ao Tabelião de Notas, onde é lavrada a procuração pública.
 A outorgante, pessoa que nomeia e constitui como sua procuradora a pessoa denominada outorgada, confere poderes à outorgada que podem ser “os mais amplos, gerais e ilimitados para gerir e administrar todos os seus negócios e interesses”, podendo representá-la em diversas instituições como, por exemplo: a) repartições públicas; b) tabeliães de notas; c) registros de imóveis; d) Junta Comercial do seu Estado; e) DETRAN; f) Bancos – Banco do Brasil S.A., Banco Central do Brasil; podendo, ainda, como exemplo: a) requerer certidões, averbações, registros; b) assinar, alterar, rescindir, retificar, ratificar, contratos particulares; c) receber quaisquer quantias devidas à outorgante; d) vender, comprar, alienar ou onerar, bens móveis, imóveis; e) dar ou contrair empréstimos e financiamentos; f)  abrir, movimentar, transferir e encerrar contas-correntes.
 Lavrada a procuração a pessoa outorgada passa a representar a outorgante podendo agir de acordo com o elenco de poderes assinalados no instrumento.
 Ocorre que, a pessoa outorgante, estando confiante na administração da pessoa outorgada pode deixar de ter notícias dos seus bens e negócios e começar a ser surpreendida com o resultado da sua outorga.
 A pessoa outorgada pode constituir uma empresa, onde a pessoa jurídica pode ser utilizada para negociações das mais variadas como, por exemplo, a procuradora abrir uma conta corrente em nome da pessoa jurídica, com a finalidade de angariar o valor do limite do cheque especial, utilizar os valores, ficando como devedora diante da instituição bancária, aquela pessoa jurídica, cuja representante legal é a outorgante.
 Ainda, constituída a pessoa jurídica pela outorgada, a outorgada pode fazer compras em nome daquela pessoa jurídica constituída, com a pretensão dos produtos comprados serem entregues pelo fornecedor a outra pessoa jurídica diversa da relação da outorgante.
 Caso os produtos comprados não sejam pagos de acordo com o expresso na nota fiscal, a responsável pelo pagamento é a pessoa jurídica constituída pela outorgada, impactando o seu representante legal, no caso a outorgante, que por vezes nem sabe que foi constituída uma pessoa jurídica e muito menos que procede a negociações.
 A pessoa outorgada pode, também, vender bens imóveis, como casas, apartamentos, terrenos, sítios, fazendas, proceder a assinatura do respectivo contrato de compromisso de venda e compra, assinar a escritura de compra e venda, apossar-se dos valores e desfazer-se do dinheiro, sem conhecimento da outorgante.
 Ainda, a pessoa outorgada, com o dinheiro amealhado de uma venda de um bem móvel pode usufruir do dinheiro, aplicando-o em negócio estabelecido na procuração.
 Além disso, a pessoa outorgada diante dos poderes que lhe foram outorgados pode, inclusive, emprestar o dinheiro da outorgante a um amigo seu o beneficiando às custas da outorgante.
 Todos esses atos praticados são legais diante do teor da procuração outorgada, mas ilícitos diante dos bens e negócios da outorgante, pois seu patrimônio está sendo dilapidado “legalmente” a seu desfavor.
 A pessoa outorgante pode levar muito tempo para notar os atos da pessoa outorgada e, inclusive, ter dificuldade em perceber as consequências dos atos da sua procuradora, em virtude da confiança havida entre elas.
 A falta de prestação de contas da administração é um ponto preponderante a ser alertado, pois tal conduta é indicativo de algo errado.
 A menor dúvida sobre os atos da pessoa outorgada e sem nenhuma satisfação da administração, cabe a pessoa outorgante revogar a procuração, imediatamente, dirigindo-se a um Tabelião de Notas, a fim de lavrar-se a revogação de procuração.
 E ocorrendo a revogação expressa de todos os poderes conferidos na procuração e a negativa a prestação de contas, cabe a pessoa outorgante promover a devida ação judicial, ação de exigir contas, com a finalidade de que a pessoa outorgada apresente as contas de forma mercantil, discriminando as receitas e aplicações, devidamente acompanhadas dos documentos comprobatórios e no caso de indicação de gastos será imprescindível e indispensável que sejam comprovados com os recibos ou notas fiscais correspondentes.       
 O Código Civil se reporta ao mandato nos artigos: 653 a 666 - Disposições Gerais, 667 a 674 - Das Obrigações do Mandatário, 675 a 681 - Das Obrigações do Mandante, 682 a 691 e – Da Extinção do Mandato.
 Destacam-se: o artigo 653: “Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.”; o artigo 661: “O mandato em termos gerais só confere poderes de administração. § 1o Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.”; o artigo 668: “O mandatário é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja.”; o artigo 669: “O mandatário não pode compensar os prejuízos a que deu causa com os proveitos que, por outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte.”; o artigo 670: “Pelas somas que devia entregar ao mandante ou recebeu para despesa, mas empregou em proveito seu, pagará o mandatário juros, desde o momento em que abusou.”; e o artigo 682: “Cessa o mandato: I - pela revogação ou pela renúncia;”.
 O Código de Processo Civil dispõe acerca da ação de exigir contas nos artigos 550 a 553.
 Ressaltam-se: o artigo 550: “Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias. § 1o Na petição inicial, o autor especificará, detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem. § 2o Prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se manifestar, prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título I deste Livro. § 3o A impugnação das contas apresentadas pelo réu deverá ser fundamentada e específica, com referência expressa ao lançamento questionado. § 4o Se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355. § 5o A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. § 6o Se o réu apresentar as contas no prazo previsto no § 5o, seguir-se-á o procedimento do § 2o, caso contrário, o autor apresentá-las-á no prazo de 15 (quinze) dias, podendo o juiz determinar a realização de exame pericial, se necessário.”; o artigo 551: “As contas do réu serão apresentadas na forma adequada, especificando-se as receitas, a aplicação das despesas e os investimentos, se houver.”; e o artigo 552: “A sentença apurará o saldo e constituirá título executivo judicial.”.
 A Lei n° 8.935, de 18 de novembro de 1994, Lei dos Cartórios, dispõe sobre serviços notariais e de registro.
 Evidenciando-se: o artigo 1º: “Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.”; o artigo 3º: “Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.”; o artigo  7º: “Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I - lavrar escrituras e procurações, públicas;”; e o artigo 8º: “É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.”.